Cartão consome um terço dos orçamentos

Nos últimos tempos, os gastos excessivos com o cartão de crédito entraram no foco do Banco Central (BC) e de entidades de defesa do consumidor. No ano passado, chegou-se a lançar uma campanha pelo “uso consciente” do cartão, e houve mudança nas regras do pagamento do crédito rotativo, uma forma de diminuir os juros pagos pelo consumidor. Mesmo assim, o pagamento da fatura ainda consome cerca de um terço do orçamento de quem usa os “plásticos”.
Segundo a plataforma de finanças pessoais Guia Bolso, em média, 33,22% dos ganhos foram usados para quitar a conta do cartão em janeiro – número até um pouco maior que o observado seis meses antes (32,81%). O número está bem acima do recomendado por especialistas – para Bruno Poljokan, diretor da fintech de crédito Just, o ideal seria algo em torno de 10%. Entre os principais gastos dentro da fatura estão as compras, que vão desde roupas e utensílios a jogos on-line, (26,93%), mercado (12,86%) e transporte (12,05%).
Para Nicola Tingas, economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), as pessoas abusam do cartão pela falta de informação e pela necessidade de complementar a renda. “Muita gente não tem noção de que está com um produto tão caro e, quando vê, já está afundada em dívidas”, observa. Além disso, lembra, em fase de recuperação da economia, as pessoas começam a voltar a cometer pequenas “extravagâncias”. Para Poljokan, da Just, o grande vilão são as compras parceladas. “Quando parcela o valor da compra, a pessoa perde a noção de fluxo de caixa e vai comprometendo a conta até chegar ao limite e não conseguir pagar, acabando no rotativo”, explica.
Uma regra geral de finanças que ele recomenda é a 50-15-35, em que 50% do orçamento é destinado a gastos essenciais, como aluguel e contas da casa; 15% para juros de financiamentos, como carros, apartamento ou empréstimo pessoal; e 35% para gastos com estilo de vida. O primeiro passo para se organizar, segundo Poljokan, é evitar parcelar compras atreladas ao estilo de vida – como salão de beleza e viagens -, deixando essa facilidade para gastos maiores.
Além da comodidade de contratação e da popularização do cartão de crédito, Marianne Hanson, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), explica que o cartão toma tanto espaço no orçamento porque vem substituindo outras modalidades de dívida mais utilizadas pelo brasileiro no passado, como o cheque pré-datado e o carnê de loja.
No início de 2010, quando teve início a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), medida pela CNC, o cheque pré-datado era apontado como a principal dívida por 4% dos entrevistados. Já em março deste ano, essa modalidade foi apontada como a maior por apenas 1,2%. No caso do carnê de loja, era o principal responsável pelas dívidas para 30% dos entrevistados em 2010, tendo caído quase à metade no mês passado (16%). Já a dívida do cartão de crédito hoje é apontada como a principal por 76,4% das famílias endividadas, de acordo com a CNC.
Há um ano, o governo mudou as regras do rotativo. Agora, os bancos são obrigados a transferir, após um mês, a dívida do rotativo do cartão para a modalidade parcelada, a juros mais baixos. A intenção era permitir que a taxa de juros para o rotativo recuasse, já que o risco de inadimplência, em tese, cai com a migração para o parcelado. O juro médio total cobrado no rotativo, entretanto, subiu 5,9 pontos percentuais de janeiro para fevereiro, segundo o BC. Com isso, a taxa passou de 328% em janeiro para 333,9% ao ano em fevereiro.

 

Custo do crédito ainda não reflete patamar mínimo histórico da taxa Selic

Apesar de o juro fixado pelo Banco Central (BC) estar no menor patamar já visto, em 6,5%, o crédito está longe de ser o mais barato da história. Em todas as linhas bancárias mais populares para o consumidor, como crédito pessoal, veículos e cartão de crédito, a taxa atual é maior que a praticada no início de 2013. Naquele período, a taxa básica de juros (Selic) era maior (7,25%), mas o Brasil convivia com o menor custo de crédito verificado até hoje.
O juro do cheque especial mais do que dobrou. Bancos dizem que cortaram taxas recentemente, mas que é preciso atacar problemas com o poder público. Amanhã, os bancos devem anunciar regras para baratear o cheque. Números do BC mostram que, nos últimos meses, houve redução das taxas cobradas dos clientes diante dos cortes consecutivos do juro básico. A queda, porém, não foi suficiente para tirar a sensação dos consumidores de que o crédito continua caro.
Quem usa o limite da conta-corrente, por exemplo, pagou em fevereiro juro anual de 324,1%. É mais do que o dobro do verificado cinco anos antes, quando estava no patamar mínimo histórico, de 136,5%, em maio de 2013. O mesmo ocorre em outras operações. A taxa do cartão parcelado, que hoje está em 174,3%, era de 100,1% em abril de 2013. Também houve aumento no crédito pessoal e de veículos. Até o rotativo do cartão, que ganhou novas regras, está mais caro que há cinco anos. “Em 2013, os bancos públicos reduziram juros na marra. A presidente Dilma Rousseff queria baratear o crédito e usou as estatais, mas os concorrentes não foram atrás”, diz o coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Getulio Vargas, Rafael Schiozer. “Como os privados não seguiram, os públicos acabaram subindo o juro depois. Era uma situação artificial.” Ainda que, na média, grandes bancos estejam praticando juros maiores que em 2013, dados do BC confirmam a avaliação: a alta de custos nos públicos foi, proporcionalmente, maior do que nos privados.
Ricardo José de Almeida, professor de finanças do Insper, diz que outra explicação pode estar na maneira como a qual os bancos estabelecem o preço do crédito. “Como esses números foram ruins no passado recente, o juro embute maior incerteza. Em 2013, os anos anteriores tinham sido muito bons e, por isso, os parâmetros eram melhores”, diz. Schiozer acredita que esses parâmetros melhorarão com a continuidade da retomada da atividade. Mas tem dúvida se isso se transformará em juro menor. “Há pouca competição, e isso leva o juro para cima.”
Fonte: Jornal do Comércio

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